quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Editorial - o carnaval sem molduras



    Acima, as duas primeiras fotos são de dois quadros de Ana Bella Geiger, na exposição de arte contemporânea em Niterói. Uma em foco, sem a moldura, numa viagem à dispersão de cores; a outra com a realidade da moldura, saindo para a realidade de onde se está, de quem vê de fora.
   As duas fotos seguintes são do carnaval da Intendente, pinturas sem molduras, a fantasia da própria arte sem a perturbação de que aquilo é uma ficção. O carnaval nasceu na fantasia de ser rei, pirata, arlequim, pierrot, colombina e tudo mais que faz brincar com a ideia de que a realidade é outra. Esse carnaval sem molduras ainda se vê em alguns palcos, asfixiado pelos olhos exigentes de luxo e perfeição.
   Quando o carnaval se transforma no espetáculo, ele ganha molduras, perde-se a imaginação e tudo o que está encerrado dentro das grades da Sapucay não passa de uma encenação, em que sentado ou em pé se observa como os cabides de fantasias expõem melhor aquilo que não são.
    O samba nasceu na favela, barracos de 4 lados, simples como caixotes de alegorias simples que não querem imitar  a realidade crua da vida. As alegorias de arte são as mesmas, a favela está sempre presente nas ruas dos desfiles do carnaval pobre. Diferentes entre si, são repetidas talvez para que o samba possa repensar as suas raízes se quiser ficar na história como as pinturas de grandes artistas e não esquecidas como o efêmero dia de carnaval.
    O carnaval-espetáculo quer virar cinema: movimentos no carros, alegorias humanas, esculturas de coisas inéditas, querendo dar seguimento em cenas, como se ele já não fosse derrotado pelo cinema. Quem quer ver uma história em ações, vá para o cinema, quem quer ver luxo e carros alegóricos vá para a Europa, que eles fazem isso muito melhor que nós.
    Enquanto isso, o carnaval em arte ainda existente, aquele que João do Rio e outros cronistas reproduziram em seus contos está ainda nas ruas e na Sapucay defendendo a bandeira da obra da qualidade em sua "pobreza" e em sua impossibilidade de imitar o cinema. A escultura é escultura de fato; e arte é arte porque é uma fração da realidade como a favela acima que tanto falta para ser verdadeira e bem-feita. O samba saiu do morro, ganhou o asfalto da liberdade para se encerrar na prisão da reprodução técnica de outras artes.

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